Após mais de um ano de restrições, artistas continuam tentando manter a esperança e encontrar novas formas de superar a crise ocasionada pela pandemia do coronavírus.
Por Amanda Machado, Júlia Fernandes e Vitória Soares | Agência Pegadas
A proibição de shows, suspensão de eventos e fechamentos de casas de festas e bares foram algumas das surpresas que o cenário musical começou a enfrentar, desde o início da pandemia do novo coronavírus. As mudanças, que surpreenderam toda a humanidade, tiveram um impacto direto na produção artística e cultural, fazendo com que músicos e produtores tivessem que se adaptar à nova realidade e encontrarem, em meio ao cenário atípico, uma nova forma de levar sua arte ao público e continuar sobrevivendo.
Mais de um ano após o início das medidas de contenção da Covid-19, pouca coisa mudou: o alto índice de transmissão do vírus faz com que grande parte das proibições continuem, e as novas formas de estarem em contato com o público já não são tão novas assim. As lives, que começaram a fazer sucesso no Brasil e no mundo, ainda no início da pandemia, auxiliaram os músicos a continuarem produzindo conteúdo, tornaram o período de isolamento mais fácil e, até arrecadaram recursos, seja para os próprios artistas ou para auxiliar pessoas em situação de vulnerabilidade social.
De acordo com o site Business Insider, as plataformas de transmissão online tiveram um aumento de 70% no uso da ferramenta ao vivo, tanto para transmissão quanto para consumo. Os números altos de acessos simultâneos e a arrecadação milionária de doações e recursos revelaram o enorme poder desse meio para o transmissor, empresas envolvidas e para o público.
Lives e solidariedade
O novo formato foi adotado em todo mundo e gerou iniciativas de solidariedade. Um exemplo disso, foi a união entre artistas como a cantora norte-americana Lady Gaga (foto), Paul McCartney, Elton John, Stevie Wonder, John Legend, que organizaram uma live com a ONG Global Citizen.
O intuito era arrecadar recursos para ajudar profissionais da saúde no mundo inteiro com um evento que durou cerca de oito horas e somou mais de $127 milhões de dólares, destinados aos profissionais que atuam na linha de frente no combate à pandemia.
No Brasil, diversos músicos também tiveram essa iniciativa. Em um levantamento realizado pela Associação Brasileira de Captação de Recursos (ABCR), entre março e junho de 2020, período em que as transmissões ao vivo fizeram mais sucesso, foram arrancados R$ 17,6 milhões em doações, durante 120 apresentações virtuais.
Entre os músicos que participaram de ações para diminuir os impactos da covid-19 está a dupla Sandy e Júnior, que, após 12 anos separados, realizaram uma live juntos. A transmissão contou com pico de audência de 2,5 milhões de espectadores simultâneos. Juntos, os irmãos arrecadaram R$ 5 milhões que foram doados para o projeto Fome de Música. Outros R$ 600 mil foram doados pelo público, valor que foi dobrado através de apoio da Fundação Casas Bahia.
Impactos na cena local
Os prejuízos ocasionados pelas restrições necessárias para conter a propagação da Covid-19 afetaram artistas mundialmente conhecidos, mas foram ainda piores para os músicos menos conhecidos. No Tocantins, diversos artistas regionais também adotaram o uso das novas tecnologias para continuar tendo contato com o público. Entre as diversas lives realizadas no estado, está a Live Solidária Sesc Tocantins, promovida em julho de 2020, pelo Sistema Fecomércio Tocantins, por meio do Mesa Brasil Sesc.
Apesar do grande sucesso das lives no início da pandemia, que conquistaram o público e movimentaram o cenário musical tocantinense, a utilização desse recurso foi diminuindo com o passar do tempo. Para o produtor cultural, DJ amador e Podcaster, Philipe Ramos (foto esq.), de 27 anos, mesmo com a queda de popularidade desse recurso, as lives continuam sendo uma boa forma de continuar entregando conteúdo.
“No meu nicho, que é música, e eu digo na cena independente de Palmas, a alternativa encontrada foram as lives. Explodiu live no início da pandemia, foi bonito de se ver! E de alguma forma também foi rentável para alguns artistas, através de doações e patrocínios. Mas, infelizmente, a tendência desse recurso passou e não é mais tão popular quanto antes, ainda que seja uma ótima maneira de continuar entregando, trabalhando e, de certa forma, de manter o contato com o público. Mesmo que seja uma comunidade pequena, ela precisa ser motivada e engajada, porque são eles que vão te levantar e ajudar, e esse público precisa ser valorizado. Muitas redes sociais também estão sendo utilizadas, como o Instagram e Tik Tok, principalmente”, contou o produtor.
Apesar do grande sucesso, para alguns artistas as transmissões ao vivo não foram a melhor alternativa como o caso da banda Soprü, que realizou apenas uma live ainda no início da pandemia. “Rolou uma live bem no início da pandemia, mas, na nossa opinião, o formato saturou bastante, e pelo trabalho de organizar uma, não aconteceram outras, já que além de não compensar muito, não é característico do nosso som. Fazer uma live que atenda às exigências custa bastante!”, relatou o cantor e compositor Samuel Carvalho.
Luta por apoio
Mesmo com as adaptações ao novo cenário, os impactos ocasionados pela suspensão de shows e fechamentos de bares e casas de festas têm gerado grandes prejuízos financeiros aos músicos, que enfrentam dificuldades em continuarem produzindo conteúdo. Para enfrentarem esses desafios, os artistas lutaram pela aprovação de Lei Aldir Blanc (Lei Federal nº 14.017/2020), sancionada em junho de 2020, que prevê o pagamento de auxílio emergencial a artistas, produtores, técnicos e espaços culturais como forma de auxiliar o setor, que foi um dos mais afetados pela pandemia do coronavírus.
Diversos artistas tocantinenses foram contemplados com a Lei e receberam recursos do Governo Federal, entretanto, com a extensão da pandemia, a medida já não é suficiente, como explica também o produtor cultural Philipe Ramos. Para ele, é necessário um maior apoio do poder público.
“Os artistas foram respaldados pelo poder público, a partir da Lei Aldir Blanc. Houve toda uma luta nacional para que o governo federal sancionasse essa lei, que foi aprovada pelo Congresso. Aqui no Tocantins tivemos vários projetos e editais contemplados. Claro, ajudou muita gente, mas ainda não é o suficiente, já que a pandemia tem durado além de qualquer previsão e o setor de eventos, musical, cultural como um todo, é o mais prejudicado, porque depende primordialmente das aglomerações, que devem ser evitadas a qualquer custo, neste momento. É necessária uma ajuda mais efetiva e constante do que a que tem sido oferecida, os artistas não têm outra alternativa”, afirmou o produtor.
Em Palmas, com as dificuldades em continuarem trabalhando, em outubro de 2020, artistas se manifestaram contra decreto da prefeitura, que trazia restrições à realização de apresentações. A cantora de 22 anos, Duda Ruas, que participou das manifestações, explica que o intuito da movimentação era pedir mais apoio da prefeitura na busca por alternativas para a classe.
“Bom, a manifestação foi ganhando espaço já que não era uma simples medida contra os decretos por completo; muitos compartilham da mesma ideia, que eram necessários diante da situação que estamos vivendo. Porém, achamos que houve um grande descaso com a classe artística, uma vez que deixavam de lado nosso nicho, sem dar um suporte, e sem sequer explicitar um motivo aparente. Como por exemplo, na época, bares já estavam liberados para funcionar, mas agentes policiais chegavam aos locais, não para realizar alguma ação sobre aglomeração, ou sobre outra coisa, mas sim porque havia música ao vivo. Nós músicos também precisamos dos nossos trabalhos!”, contou a cantora.
Na época, em comunicado divulgado à imprensa, a prefeitura afirmou que houve um equívoco na interpretação do Decreto Municipal n° 1.903/2020. Segundo a gestão, não houve proibição de música ambiente, mas somente de aglomeração, por isso, shows não estariam liberados. Atualmente, os bares estão liberados a funcionar, mas a proibição de música ao vivo continua.
A música tem que continuar
Mesmo em meio às dificuldades, a busca por mudanças e a vontade de continuar produzindo arte e cultura continuam, por isso, enfrentando os desafios de um cenário pandêmico, a classe musical está se reinventando e continua produzindo. Um exemplo disso é a banda Soprü, que lançou um EP durante a pandemia.
O vocalista da banda, Samuel Carvalho, conta que a produção enfrentou desafios e teve que se adaptar às medidas sanitárias necessárias. “A maior dificuldade foi gravar as músicas sem aglomerar, tivemos que fazer tudo com o menor número de pessoas possíveis. A vontade que tínhamos era de fazer todos os processos do álbum com todo mundo junto. Mas acabou que cada um foi gravando seu instrumento em dias separados. Também iríamos, a princípio, gravar em SP, mas, com a pandemia, fizemos toda a gravação em Palmas mesmo. Ainda bem que conseguimos tirar um som incrível no estúdio do Denner Duarte [estúdio local]”, relatou.
Outro exemplo de superação foi o da cantora Duda Ruas que, para continuar trabalhando em meio à pandemia, teve que adaptar suas produções. Ela explica que também participou de editais de apoio aos artistas, mas que, além disso, precisou expandir seu público nas redes sociais.
“Apesar de já estar inteiramente na internet, tive que me reinventar para poder continuar mostrando meu trabalho para meu público. Participei de projetos com união de outros músicos, participei de alguns editais oferecidos; editais esses que selecionaram pouquíssimos artistas, e de valor simbólico, uma vez que passamos praticamente o ano inteiro parados sem trabalhar, e esse ano está na mesma. Projetos particulares como venda de shows online, dentre outros. Diversifiquei meu nicho na internet, abrangendo meu público e aprendendo coisas novas também", contou.
Os primeiros a pararem, e, provavelmente, os últimos a retomarem as atividades tentam encontrar novas formas de continuarem produzindo. Seja para os músicos mundialmente conhecidos ou para os que ainda buscam se estruturar, a esperança está em, no futuro, retomarem suas atividades com segurança e com mais apoio para suas produções.
Para o produtor cultural Philipe Ramos, os desafios atuais podem trazer reflexos positivos. “A música vai continuar, a arte sempre dá um jeito de continuar! A pandemia escancarou muitos problemas e aumentou a união entre os artistas e acredito, como um otimista, que isso traga reflexos positivos no nosso futuro”, afirma.
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